A demissão por justa causa é a situação em que o empregador, diante de conduta grave do colaborador, tem o direito de encerrar o contrato de trabalho, enquanto o colaborador perde uma série de direitos.
No cotidiano de uma loja, supermercado ou rede de varejo, cuidar das pessoas vai muito além de treinar, motivar e remunerar. Também envolve saber quando, infelizmente, um vínculo se rompe e, mais ainda, quando se rompe por motivos graves.
É um tema delicado que exige rigor, documentação e empatia. Mas também exige clareza para que a empresa não se exponha a riscos trabalhistas.
Se você quer saber o que significa aplicar a demissão por justa causa, quando cabe, como fazê-la e o que observar, esse texto é para você. Vamos seguir juntos!
O que é a demissão por justa causa?
A demissão por justa causa acontece quando o colaborador comete uma falha tão grave que rompe a base de confiança necessária à continuidade do vínculo empregatício. E essa falha está prevista no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Estamos diante de um cenário em que o empregador pode dizer que “houve uma violação de dever tão grave que justifica o término imediato, sem os mesmos direitos da demissão sem justa causa”.
Num ambiente de varejo, sob a pressão de vendas que a gente conhece bem, atendimento, fluxo de equipe, turnos, caixas, essa modalidade de desligamento precisa ser entendida com cuidado.
Há casos que se encaixam e há outros mais que ainda são melhor tratados com medidas menos drásticas (advertência, suspensão, requalificação).
A empresa que entende bem a demissão por justa causa está mais preparada para proteger seu ambiente de trabalho, oferecer segurança aos colegas e se resguardar juridicamente.
Por que é tão grave a demissão por justa causa?
A demissão por justa causa é a penalidade mais severa prevista na CLT para o trabalhador, justamente porque rompe o vínculo em consequência de uma conduta que vai além de mero descumprimento leve. Ela representa:
- A perda de direitos para o trabalhador (como aviso-prévio, saque do FGTS com multa, seguro-desemprego)
- Um desgaste maior na imagem da empresa se for mal-conduzida, entre os próprios colaboradores e no mercado
- Um risco de reclamatória trabalhista, caso o empregador não atue com consistência documental e proporcionalidade
Por isso, para aplicar a demissão por justa causa é necessário domínio não apenas da lista de motivos elencados pela lei, mas da lógica da proporcionalidade, da gravidade, da imediaticidade, do registro prévio. Vamos ver cada um desses detalhes.
Quais são os motivos previstos para a demissão por justa causa?
O artigo 482 da CLT contém uma lista de situações que podem autorizar a aplicação da demissão por justa causa. São elas:
- Ato de improbidade: fraude, furto, adulteração de documentos internos da loja, desvio de mercadoria
- Condenação criminal do empregado: o colaborador recebe sentença transitada em julgado enquanto em atividade na empresa
- Incontinência de conduta ou mau procedimento: comportamento indecente, assédio, racismo, machismo, bullying no ambiente de trabalho
- Negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão: funcionário que capta clientes da loja ou vende por conta própria, concorrendo com a empresa
- Violação de segredo da empresa: vazamento de dados de clientes, de fornecedores, de fórmulas ou preços internos
- Desídia no desempenho do trabalho: negligência, atrasos constantes, má execução, falta de cuidado repetida
- Ato de indisciplina ou insubordinação: descumprimento de regra clara da empresa (uso de uniforme, registro de ponto) ou recusa expressa a ordem
- Embriaguez habitual ou em serviço: chegar alcoolizado ao trabalho ou ingerir bebida durante o expediente, quando comprovado
- Abandono de emprego: faltas prolongadas e injustificadas que demonstrem intenção de romper o vínculo
- Ofensas físicas: agressão contra colegas ou superiores dentro do ambiente de trabalho.
- Prática constante de jogos de azar: especialmente se interfere no desempenho ou ambiente de trabalho
- Perda da habilitação ou dos requisitos para o exercício da profissão: aplicável a cargos que exigem registro ou licença profissional
- Atos contra a segurança nacional: mais raro no varejo, mas contempla condutas graves que afetem o Estado
- Ofensa moral contra o empregador ou colegas: calúnia, injúria, difamação, inclusive por redes sociais
Essa lista, por si só, deixa claro que nem todo erro de colaborador autoriza a demissão por justa causa. É necessário que o motivo esteja entre os previstos ou que a conduta revestida de gravidade seja equivalente.
Quais critérios adicionais devem existir?
Não basta que o colaborador tenha cometido um dos atos listados. A empresa precisa atender a outros critérios que reforcem a legalidade da demissão por justa causa. Apenas assim se reduz o risco de questionamento.
O primeiro deles é a gravidade, já que a conduta deve ter impacto significativo a ponto de romper a confiança entre as partes. Quando a falta é leve e isolada, a medida mais adequada costuma ser uma advertência, e não a dispensa imediata.
Outro ponto essencial é a proporcionalidade, que determina que a penalidade aplicada deve estar em equilíbrio com a gravidade do ato cometido. Se o colaborador comete um deslize pequeno e, ainda assim, é demitido por justa causa, a empresa pode ser acusada de agir de forma desproporcional.
A atualidade, também chamada de imediatidade, é outro elemento crucial. A empresa precisa agir assim que toma conhecimento da falta, pois, ao demorar semanas ou meses para aplicar a demissão, pode dar margem à interpretação de que houve perdão tácito, enfraquecendo o argumento da justa causa.
Por fim, é indispensável respeitar o princípio do non bis in idem, que impede a punição dupla por um mesmo ato. Isso significa que, se o colaborador já recebeu uma advertência ou suspensão pelo ocorrido, não pode ser novamente penalizado com a demissão por justa causa pelo mesmo motivo.
No varejo, isso exige bom registro: advertências, relatórios de faltas, atas de reunião, feedbacks escritos. Tudo isso fortalece o processo de aplicação da demissão por justa causa.
Quais direitos o colaborador perde com a demissão por justa causa?
Uma das partes mais delicadas desse tema, para quem gere pessoas, é saber “o que devo pagar” e “o que o colaborador perde” quando é demitido por justa causa. Vamos separar em duas colunas para facilitar:
Direitos que o colaborador perde em caso de demissão por justa causa:
- Aviso-prévio
- 13º salário proporcional
- Férias proporcionais
- Saque do FGTS e multa de 40% sobre o FGTS
- Seguro-desemprego
Direitos que o colaborador mantém:
- Saldo de salário: o que ele ainda trabalhou até o dia de desligamento
- Férias vencidas + acréscimo legal (1/3)
- Eventuais valores de adicionais noturnos, periculosidade ou insalubridade, conforme o que ele efetivamente fez
Para o varejista, isso significa se assegurar de fazer o cálculo de rescisão conforme a modalidade “por justa causa” e separar os valores que o colaborador efetivamente perdeu devido à falta grave.
Como conduzir o processo?
Agora é hora de se preparar para as etapas práticas que o varejo precisa dominar para aplicar a demissão por justa causa de forma segura.
1. Documentação
Registre todas as evidências da conduta: advertências anteriores, relatórios de falta, testemunhas, vídeos ou impressões de chats, se relevante. A empresa precisa comprovar o motivo da demissão.
2. Comunicação escrita ao colaborador
Elabore um comunicado de desligamento, detalhando que se trata de demissão por justa causa, fazendo constar o motivo apontado. Isso evita dúvidas e fortalece a base documental.
3. Assinatura ou testemunhas
Ainda que o colaborador se recuse a assinar, a empresa pode prosseguir com testemunhas para comprovar que fez o comunicado.
4. Anotação na Carteira de Trabalho/no Termo de Rescisão de Contrato
A empresa deve registrar o desligamento, constando que se trata de demissão por justa causa.
5. Cálculo e quitação das verbas rescisórias
Mesmo na demissão por justa causa, a empresa tem obrigação de pagar o que for devido (saldo salário, férias vencidas +1/3). Prazos, como o de 10 dias para quitação, também valem.
6. Atenção ao clima interno e à comunicação
Mesmo sendo justa causa, trata-se de um desligamento de pessoa e o modo como isso ocorre repercute no ambiente de trabalho. Evite constrangimentos, casos públicos, ou dano à reputação da empresa.
7. Avaliação pós-processo para prevenção
Depois que o desligamento ocorrer, a empresa deve se debruçar sobre o que levou à conduta, revisar políticas, treinar gestores ou equipes para evitar repetição da falha.
Exemplos práticos de demissão por justa causa
E para finalizar a nossa conversa hoje, vamos avaliar alguns cenários do varejo onde a demissão por justa causa pode caber ou não.
1: Um colaborador da loja que repetidamente se recusa a usar o uniforme, registra ponto inadequadamente, ignora ordens diretas de supervisão pode configurar insubordinação ou ato de indisciplina. Se o gestor tem alertas anteriores, advertências documentadas, a demissão por justa causa pode ser justificável
2: Um funcionário que faz vendas paralelas, o famoso “por fora”, usando a base de clientes da loja, ou que desvia mercadoria para revenda própria, encaixa claramente num ato de improbidade ou negociação habitual prevista no artigo 482
3: Um operador da caixa que manipula o sistema, faz fraudes, altera valores, comete furto de dinheiro ou produtos. Nesse caso a empresa deve agir com rapidez
4: Um colaborador que falta sistematicamente, sem justificativa, por 30 dias ou mais, sem retorno ou comunicação, pode configurar abandono de emprego
5: Um colaborador que atrasou 1 ou 2 vezes, ou que teve queda de produtividade por período curto, não necessariamente é caso de demissão por justa causa. Talvez se inicie com advertência, acompanhamento, melhoria de desempenho. Porque a gravidade e proporcionalidade não estão presentes
E lembre-se: a demissão por justa causa não deve se tornar padrão para qualquer erro, ou substituição de processo de melhoria. Deve ser a medida excepcional e bem fundamentada.
Até a próxima!
- Conteúdo desenvolvido pela Universidade Martins do Varejo – UMV.




