Para quem é comerciante, sabe que cuidar da folha de pagamento vai muito além de somar salários e bater prazos. Um dos pontos mais delicados, e que pode gerar dor de cabeça se executado de forma errada, são os descontos no salário dos colaboradores.
Seja em supermercados, farmácias, lojas de bairro ou grandes redes, aplicar descontos corretamente é uma responsabilidade que recai, muitas vezes, sobre um setor enxuto, acumulado entre o RH ou o Departamento Pessoal.
E não é à toa que surgem tantas dúvidas. Por exemplo: o que a lei permite? O que precisa de autorização? Quando um desconto pode ser considerado indevido?
Para respondê-las, apresentamos hoje um guia prático para você, varejista, fazer tudo certo na hora de calcular os descontos no salário. Vamos falar sobre o que diz a legislação trabalhista e quais valores são legais para evitar problemas.
Boa leitura!
Salário bruto x salário líquido
Antes de iniciarmos nossa conversa, precisamos falar sobre dois conceitos que fazem toda a diferença na hora de entender os descontos no salário. De um lado, o salário bruto e o do outro o líquido.
O salário bruto é o valor total acordado no contrato de trabalho, sem nenhuma dedução. Já o salário líquido é o valor final que o colaborador recebe na conta, após todos os descontos legais, como INSS, imposto de renda, faltas injustificadas e benefícios como vale-transporte e plano de saúde.
Saber essa diferença é o primeiro passo para entender o que pode ou não ser abatido. Além disso, importante para saber o que precisa ser muito bem justificado para não virar motivo de processo trabalhista.
Descontos no salário sob a ótica da CLT
Quando falamos em descontos no salário, é essencial entender a legislação trabalhista. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é clara ao estabelecer limites e condições para qualquer tipo de dedução feita pela empresa.
O artigo 462 da CLT estabelece que “ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo”.
Em outras palavras, o dispositivo trata que não é permitido descontar valores do salário de forma arbitrária. Isso significa que o simples fato de um colaborador causar um prejuízo à empresa, como um erro de operação no caixa ou um produto danificado da loja, não autoriza, automaticamente, um desconto em folha. A empresa precisa seguir critérios legais rigorosos para que esse desconto seja legítimo.
Além disso, o mesmo artigo prevê que, em casos de dano causado por culpa do empregado, o desconto só poderá ocorrer se houver previsão contratual ou se ficar comprovada a responsabilidade.
Isso quer dizer que, mesmo diante de um prejuízo, como uma diferença de caixa ou uma peça quebrada, a empresa só pode descontar se houver previsão clara no contrato de trabalho ou se for possível provar que houve má-fé (dolo).
Se o erro foi acidental, e não intencional, o empregador não pode simplesmente fazer os descontos no salário do funcionário.
No contexto do varejo, onde esses tipos de situações acontecem com frequência, o cuidado precisa ser redobrado. Vamos a três exemplos práticos:
- Um operador de caixa esqueceu de registrar um item e causou prejuízo? Não pode haver desconto direto, a menos que o contrato tenha cláusula específica e haja comprovação de culpa
- Um vendedor deixou de atender um cliente e a venda foi perdida? Também não pode ser descontado, pois trata-se de uma situação subjetiva e difícil de mensurar juridicamente
- Um estoquista danificou um produto por descuido? Só pode haver desconto com previsão contratual clara e confissão ou prova de culpa.
Além disso, a CLT também veda qualquer desconto sem a anuência do trabalhador, mesmo quando se trata de benefícios facultativos, como plano de saúde ou seguro de vida.
Nesses casos, é obrigatória a autorização expressa e por escrito do colaborador. Além disso, cada desconto deve ser identificado claramente no contracheque.
O descumprimento dessas regras pode gerar ações trabalhistas e multas administrativas aplicadas pela fiscalização do trabalho. Por isso, é fundamental que o setor de RH/DP esteja bem alinhado com o que a CLT determina.
Quais descontos no salário são legais?
Os descontos no salário só são considerados legais quando atendem a critérios muito bem definidos.
Primeiro, quando são exigidos por lei, como é o caso do INSS e do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), cujas alíquotas e faixas de desconto estão previstas na legislação federal.
Também são permitidos os descontos que constam em convenção coletiva ou no contrato de trabalho, firmados entre empregador e colaborador com respaldo sindical.
Por fim, há os descontos que dependem de autorização expressa do trabalhador, como planos de saúde, seguros ou convênios, desde que haja consentimento individual, documentado e específico.
Fora dessas condições, qualquer abatimento salarial pode ser considerado indevido e sujeito a questionamento jurídico. Mas vamos destrinchar melhor os mais comuns para não haver dúvidas.
1. INSS e Imposto de Renda
Esses descontos no salário são obrigatórios e automáticos. A porcentagem varia conforme o valor do salário e deve ser recolhida mensalmente. O desconto do INSS é progressivo e pode chegar a até 14%.
2. Vale-transporte
Permitido desde que não ultrapasse 6% do salário base. Mesmo que o custo real com transporte seja maior, a empresa deve arcar com o restante.
3. Faltas injustificadas
Aqui não tem segredo: se o colaborador faltou sem apresentar justificativa válida, pode ter o dia ou os dias descontados na folha.
4. Benefícios com autorização
Essa é uma categoria importante. Todo desconto precisa de autorização por escrito do colaborador. Isso vale para plano de saúde e odontológico, seguro de vida em grupo, convênios com farmácias ou academias e contribuições associativas ou assistenciais.
A autorização precisa ser individual e específica, nada de cláusulas genéricas escondidas no contrato de trabalho, combinado?
Como registrar corretamente os descontos
Você já entendeu que transparência e documentação são palavras de ordem quando falamos de descontos no salário.
Por isso, se você conta com um departamento pessoal ou fica responsável por toda a burocracia, aí vão algumas dicas fundamentais para o seu negócio.
A primeira é que toda justificativa de desconto precisa estar registrada por meio de:
- Termos de adesão a benefícios
- Autorizações por escrito
- Contratos coletivos
- Comprovantes de adiantamentos
Além disso, o recibo de pagamento ou contracheque precisa ser bastante detalhado. O colaborador precisa saber exatamente o que está sendo descontado.
Por fim, sempre que possível, avise o colaborador com antecedência sobre novos descontos ou mudanças. Isso evita sustos e mostra respeito pelo profissional.
Além disso, colaboradores que não confiam nos descontos no salário tendem a se desmotivar, reclamar e até sair da empresa. A transparência protege não só pelo respaldo jurídico, mas também a reputação da empresa.
Agora é hora de revisar seus processos internos e garantir que sua empresa esteja totalmente alinhada com a legislação. E sempre que surgir uma dúvida mais complexa, não hesite em buscar apoio contábil ou jurídico.
Quando os descontos no salário são bem aplicados, todo mundo ganha.
Até a próxima!
- Conteúdo desenvolvido pela Universidade Martins do Varejo – UMV.
